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Coluna das Artes

Criança Morta - Elisa Silva

  • MASP - Criança Morta, 1944

A pintura denominada Criança Morta (1944) faz parte da série de quadros históricos "Os Retirantes". A série narra a saga dos retirantes nordestinos, que em razão da seca abandonam suas casas e se lançam pelo sertão a caminho de grandes centros urbanos, com a esperança de encontrar uma vida melhor.
Na coluna das artes anterior analisamos o quadro Os Retirantes (obra que leva o mesmo nome da série), pintura que retrata o início da jornada do retirante. Hoje analisaremos o quadro mais chocante da série: Criança Morta.


Na obra vemos uma família constituída de seis pessoas, dois adultos e quatro crianças, sendo que uma delas jaz nos braços do pai. O genitor, desolado, segura a criança morta, enquanto toda a família chora lágrimas de pedras, revelando a secura do ambiente que os rodeia, até a moringa de água parece estar seca.
Portinari representa o homem com mãos muito grandes, elas são a primeira imagem que o espectador percebe no quadro. Aliás, o primeiro plano e centro da pintura são essas mãos desproporcionais, isso é proposital. Vários personagens pintados por Portinari tinham mãos, pés ou ambos desproporcionalmente grandes, com essa técnica ele queria reforçar a importância do trabalho e do trabalhador, conceitos historicamente em baixa.


O fundo da obra segue o mesmo estilo do quadro Os Retirantes, um céu azul em degrade e um solo seco com pedregulhos. Os personagens são o reflexo da fome e da sede, eles são praticamente cadáveres ambulantes, que choram lágrimas de pedra porque seus corpos estão tão secos quanto a terra que eles pisam.


Não é à toa que a obra chocou os espectadores na época, porque esse quadro, assim como todos os outros da série, não foram pintados para agradar ou embelezar, eles foram confeccionados para noticiar uma triste realidade, foram feitos para que a sociedade abrisse seus olhos para o que estava acontecendo com os seus conterrâneos. Porém, regra geral, a sociedade não quer ver a desgraça ou a fome, é sempre mais fácil fechar os olhos para o sofrimento alheio.


A despeito do quadro ter sido pintado na década de quarenta, ainda hoje existem retirantes, a nomenclatura mudou, agora essas famílias em frangalhos são denominadas refugiados. Vemos eles no Afeganistão e em vários países latino-americanos, vemos brasileiros que em busca do que o nosso Estado não fornece, lançam-se em uma jornada de morte para cruzar ilegalmente a fronteira entre o México e os Estados Unidos, arriscando suas vidas em travessias tão secas como a dos retirantes nordestinos. E, assim, várias são as crianças (e adultos) mortas. Porém, não temos mais um Portinari para retratar essas tragédias e nos comover.
 

Elisa Silva - especialista em História da Arte e autora dos livros " Paris sonho meu" e " Paris - Uma viagem impressionIsta"







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